ElsonMAraujo
Ariano Suassuna dizia que toda
cidade do sertão tem um doido, um bêbado e um mentiroso. personagens
imortalizadas no conjunto da sua obra. Essas personalidades são facilmente
identificadas pelo nome, e por vezes, por suas proezas. Não deixam de ser figuras
que guardam um certo tipo de importância, comumente reconhecidas só depois que
morrem. Enterros desses populares, nas pequenas cidades, costumam arrastar
multidões. Terminam, de alguma maneira,
imortalizados pela oralidade popular.
Quem não tem uma (h) estória
de doido, mentiroso e bêbado para contar? Ou mesmo um personagem para lembrar
nas rodadas de conversa?
Na cidade, basta uma pequena
provocação com representantes dos troncos familiares mais antigos para o surgimento
de um desfile dessas figuraças que marcaram época, num tempo de uma imperatriz
mais provinciana. O saudoso cantor e compositor Selim Galhães, que morreu em
2021, tinha paixão por essas personalidades. Via neles poesia e arte. Nas
nossas conversas sobre as coisas da cidade lembrava sempre do Mujuba. Um “sábio”,
segundo ele, respeitado por todos, que morava num barreiro, ali próximo do
prédio do INSS, e com quem, na meninice gostava de “trocar ideias”
Mujuba está imortalizado numa
composição de um outro artista maranhense/imperatrizense/carolinense Erasmo
Dibbel. Em “Minha cidade” o cantor , além de Mujuba, lembra o Elias do Boi,
outro personagem da cidade nesse linha de importância.
{...Minha cidade
engatinha
E mujuba de palavras
sábias sofre
Vêde elias perdido num
boi tão iô-iô...}
Ontem , ao conversar com o jornalista
Colo Filho, um apaixonado pelas coisas da cidade, ele lembrava de outras dessas
figuraças do cotidiano da Imperatriz de antigamente. Se ele lembrou, é porque
nunca morreram. O índio doido, que surgiu do nada e assustava a
todos com um pedaço de pau, na mão; mas que nunca ofendeu ninguém, o Pedro
Mentira, o Guriatã, que já amanhecia o dia embriagado, e o cego, que
enlouquecia quando a molecada chegava perto dele e imitava o mugido de um boi.
Na prosa, acabei por lembrar do Josias, que vestido de mulher, subia e descia a
Coronel Manoel Bandeira falando sozinho. Carregava sempre um bastão com o qual espantava
a meninada, entre as quais eu, que o atazanava.
Quem pensa que o Suassuna
deixou de ter razão, se engana. Em Imperatriz, que já tem ares de metrópole a evolução
deixou mais difícil de identificar essas celebridades. Mas elas continuam
presente nas pequenas cidades. Nesta semana encontrei a história de um “pescador
de urubu”. Acredito que ainda tenho um restinho de espaço na página para contar
a história.
Num povoado, no interior de
uma cidade sul maranhense, uma esposa desses bêbados de todos os dias, cansada
da rotina, passou a procurar uma fórmula para obrigar o companheiro a abandonar
a maldita. Foi aí, que ouviu de uma velha índia que o fel do urubu, capturado
vivo, misturado à cachaça
resolveria o problema. A mulher resolveu apostar tudo nessa possibilidade. O
problema era pegar a ave para tirar o bendito fel.
Como se sabe, o fel é como
popularmente é conhecida a bile, fluido produzido pelo fígado. Consta que amarga
para diabo, mas é essencial para a digestão de gordura, no órgão de origem.
A mulher não conseguia se
enxergar capturando o urubu. Foi aí que teve a ideia de contratar alguém para a
tarefa. A escolha recaiu em outro frequentador do mesmo boteco do marido, que
já não batia bem da cabeça, mas que ainda seguia alguns comandos. Ela prometeu uma camisa nova se ele lhe
trouxesse um urubu. Tarefa aceita.
O tarefeiro passou a fazer
tocaia no abatedouro da moita do povoado, palco dos urubus da cidade.
Tentou uma, duas, três vezes, apanhar convencionalmente o bicho, mas não obteve êxito. Foi aí, que num
momento de iluminação teve a brilhante ideia de utilizar um anzol
para pegar a arisca ave. Correu até o quintal de um pescador do lugar e furtou
a peça inteira de um anzol. Depois, passou num açougue, onde pegou uns pedaços
de sebo para usar como isca e correu de volta ao abatedouro.
A captura do bicho, que não
foi fácil, só foi feita na quinta tentativa. Ao sentir a fisgada o bicho voo e
lá se vai o tarefeiro a fazer força para trazê-lo para o chão. Chegou a correr,
à vista e risos de todos, quase uns 500 metros até o urubu cansar e se
entregar. Missão cumprida. Entregou a encomenda e foi recompensado com a prometida
camisa.
O segredo de tudo era ninguém
saber o que seria feito com ave. A mulher, naquela ocasião, não disse nada para
ninguém. Houve até quem pensasse que ela comeria o animal. Manteve segredo, até
o fim. O urubu foi sacrificado e dele extraído o fel, ardilosamente colocado
numa meiota de cachaça maranhense que o bêbado mais famoso do povoado
havia deixado do lado da rede, onde dormia.
Um sobrinho do bebum, que
muito mais tarde soube da tentativa de livramento do tio do vício da pinga, me contou que a “mandiga”
não deu muito certo, mas algo diferente começou a acontecer, desde então: ele
não deixou de beber, mas toda vez que tomava a primeira dose da manhã era certeza
de passar o dia inteiro vomitando.