terça-feira, 28 de abril de 2020

NEM TUDO É TÃO RUIM


Baseado em fatos reais

O cara era a superstição em pessoa. Só levantava e saia de casa se fosse com o pé direito. Passar por debaixo de escada, só se fosse amarrado.

Numa determinada sexta-feira, bem cedo, ao se dirigir até a padaria cruzou com um gato preto. O dia acabou bem ali. Voltou para casa, se enrolou no lençol, trancou a porta do quarto e só saiu na manhã seguinte.

O mecânico Pedro Retentor era a superstição em pessoa. Para se "defender, além de só sair de casa com o pé direito, gastava antes, uns 30 minutos fazendo rituais de proteção. Só depois ia para o trabalho.

Naquele dia, Retentor trabalharia numa dessas caminhonetes robustas de fazenda. O carro não pegava de jeito nenhum e o dono estava agoniado. Queria voltar logo para a roça.

O veículo, ainda como resultado da viagem anterior, estava coberto por lama.  Além disso, havia galhos de mato na carroceria e enganchados nos pneus, sujos de bosta de vaca. O para-brisas também estava muito sujo.  O lavador ia ter muito trabalho para limpá-lo.

Como é comum nesses casos, o dono do carro deu uma pista para Pedro sobre o possível problema. Ato contínuo ele abriu logo o capô. O susto foi grande demais. Saltou uns três metros para trás, tropeçou, caiu e já se levantou já com um baita de um facão na mão.

Uma cascavel estava acomodada no motor da caminhonete e ao se sentir incomodada deu o bote que quase atingiu Pedro Retentor na região do pescoço.

O mecânico partiu para cima da peçonhenta com o facão, mas foi impedido de matá-la por um estudante que chamou o povo do meio ambiente. O animal foi então, capturado e solto depois numa área de preservação ambiental perto dali.

O coitado do Pedro Retentor ficou encabulado demais.

- Será que fiz algo errado? -

- Qual o significado do ataque daquela cobra? Ficou o resto do dia pensativo.
De repente o mecânico lembrou que no meio da semana tinha sonhado muito com o número nove e nove era o número da cobra no jogo do bicho. Pronto, tinha identificado a ocorrência.

Naquele dia Pedro voltou para casa feliz, contente e satisfeito. Ganhou uma bolada no famoso jogo ao apostar metade do que ganhava na cobra.

sábado, 18 de abril de 2020

NUMA GALÁXIA DISTANTE




O problema estava ficando sério demais. Não estava mais circunscrito àquela órbita. Se quisessem morrer, que morressem sozinhos sem causar a morte dos vizinhos de galáxias. Era preciso ser feita alguma coisa até porque depois da superfície o lixo, produzido naquele planeta irmão, começava a poluir também o espaço sideral e a ameaçar outros astros. Não, a situação não era de omissão, mas de ação.

-De longe assim, nem parece uma ameaça. É um planeta tão bonito, tão belo, tão azul- comentou  a esposa daquele líder intergaláctico.

-É só de longe, esposa. Amanhã faremos a última reunião para resolver esse problema causado por eles. Não sairemos de lá sem uma tomada de decisão. Eles estão sem comando, sem gestão- disse com firmeza o líder.

O encontro das lideranças intergalácticas estava marcado para acontecer num Exoplaneta. Tratava-se de uma reunião ultrassecreta e seria temerário realizá-la   em qualquer planeta daquela galáxia.  

-Identificamos centenas de exoplanetas. Decidimos que a reunião será num deles, já escolhido. Nem para você, que é minha esposa, posso dizer em qual deles definiremos o que fazer por aqueles irmãos nesses tempos difíceis- voltou a falar líder.

Uma a uma as naves com as lideranças intergalácticas foram chegando àquele distante Exoplaneta. Ao todo oito líderes, representando os planetas daquele sistema, integravam o conselho que só se reunia nos momentos de crises extremas.

 Estrategicamente a liderança do planeta problema não foi convidada. Estava perdida, não tinha mais autoridade, não tinha   mais forças para resolver a grave situação do seu povo.
Para evitar vazamentos, a reunião seria por telepatia. Daquela forma não haveria como o encontro ser gravado. A partir do momento que fosse lacrado o portão toda e qualquer comunicação seria telepática.  E assim aconteceu.

Resultado dos encontros anteriores, algumas propostas já tinham sido apresentadas para resolver a situação.  Faltava a definição por uma delas. A mais radical e, menos provável,  seria   varrer  o planeta problema do mapa sideral.

-Pela rapidez da operação eles nem vão sofrer. Temos tecnologia para isso. Poderíamos fazê-lo no ciclo do sono deles- defendeu o pai da ideia, logo rechaçada. Por não ter tido a ideia aprovada abandonou o encontro e não esperou para ouvir e votar nas outras propostas.

A última proposta foi apresentada por um decano do conselho acostumado a tomar decisões complicadas nos momentos de crises. Era o mais hábil na comunicação telepática. Era também o guardião das memórias e segredos do Conselho Intergaláctico. Anos antes, um desavisado pirata da mente tentou hackear seus arquivos mentais e se deu muito mal. De onde estava,  o mestre percebeu a tentativa de invasão e agiu rápido. De olhos fechados acionou um gatilho mental e explodiu a cabeça do invasor. Sua proposta, a que sobrou, estava ali agora para ser ratificada.

Pelo conhecimento da proposta a votação seria apenas simbólica. O planeta não seria varrido do espaço, ou penalizado com algo que viesse a destruir a vida por completo. Era preciso frear a poluição do ar, dos rios, mares e oceanos, o descarte de lixo espacial e a emissão de radiação nuclear. O Planeta  precisava voltar a respirar em paz.

Uma semana depois da reunião do Conselho Intergaláctico, no módulo invisível, uma nave pousava no continente mais populoso daquele pequeno planeta problema.  A operação foi muita rápida.

Dias depois,  uma misteriosa moléstia começou a acometer os habitantes daquele continente e, na velocidade da luz , tomou conta de todo o planeta.

Para evitar o contágio as pessoas passaram a se isolar. O ritmo do planeta diminuiu. Em poucos dias, embora muitas vidas  tenham desaparecido, o ar ficou mais puro, com menos poluentes, os oceanos mais limpos. Até as baleias voltaram a frequentar os muitos mares.

- Missão cumprida! -  Comunicou, telepaticamente,  o líder da missão aos membros do Conselho Intergaláticos.

terça-feira, 14 de abril de 2020

TIÃO MARICA, O VAQUEIRO CONTADOR DE HISTÓRIAS


Típico sertanejo, daquele pau para toda obra e sempre com uma boa história na ponta da língua, Tião Marica era a alegria daquela pequena comunidade do Cerrado brasileiro. De todas as atividades gabava-se de ser um grande corredor de vaquejada.  Acumulava vários prêmios e com eles já havia iniciado uma pequena criação de gado nas terras herdadas do pai. Embora fosse uma espécie de rei das pistas de vaquejada da região o povo gostava mesmo era das histórias contadas pelo vaqueiro. Tinha um jeito peculiar de contar os causos dos quais era protagonista. Se durante a narrativa surgia alguma dúvida sobre a veracidade dos fatos tudo ia logo embora junto com as intermitentes gargalhadas dos ouvintes e as estórias, se transformavam em histórias.

Assim, é que num desses dias no qual a turma se reúne para gelar a goela e esquentar o bucho com churrasco, entre um gole e um naco, Tião danou-se a contar seus causos. 

Caboclo destemido, derrubou onça preta pela orelha, pegou Jacaré pelo rabo, atravessou um rio cheio de piranhas, só para impressionar uma pretensa namorada; e brigou até com uma cascavel que caiu na besteira de lhe picar. Contou ele, que a picada da danada  não lhe causou nenhum desconforto. Aconteceu foi o contrário: 

-Depois que ala me picou, tá vendo? Dei um salto mortal  fiz o sinal da cruz e  a serpente caiu mortinha ali na minha frente -  contou.

Naquela pequena cidade do serrado brasileiro as histórias do Tião, o  vaqueiro, vira e mexe são contadas e recontadas. Uma delas narrada por um sobrinho. Nada de briga com onça, cobra ou piranhas; a história, segundo o narrador,  foi como seu  inteligente tio,  depois de infrutíferas tentativas por parte do médico e da família para  convencer um amigo da cidade  a buscar ajuda psiquiátrica numa clínica da capital, conseguiu tal feito. 

O jovem senhor , cujo nome de batismo era Patrício,  pertencia a boa e tradicional família  da comunidade e havia cismado que era delegado da Polícia Federal. Vestia-se todo de preto,  punha um bonito boné onde estava bordado um P e um F  e não se separava de uma bolsa, tipo pochete,  que avolumava com uma pedra. Queria convencer a todos que era delegado e que andava sempre armado. Até uma insígnia da PF, não se sabe onde, ele conseguiu para completar o visual.

Por conta das suas batidas e investigações na região além de uma vez ter sido preso por falsidade ideológica Patrício já havia levado vários tabefes. Uma vez foi parar no Hospital depois que tentou abordar um automóvel na rodovia que corta o lugar e acabou atropelado.

Alguns moradores achavam engraçado e o coitado era por vezes ridicularizado. Outros lembravam que ele era de boa família e precisava mesmo  era de tratamento. Ainda tem jeito, argumentavam.  O problema era “o delegado” aceitar ir até a capital para se consultar do juízo. No menor indicio de algo dessa natureza ele se acovardava, fugia e para desespero da família  passava até uma semana sumido.
Foi ai que num desses sumiços   do “delegado Patrício”  um dos parentes  ratificou  que aquela situação precisava ser resolvida e somente uma pessoa da cidade seria capaz de convencê-lo a ir até a capital. Esse alguém era Tião. E assim,  o atilado vaqueiro  foi procurado e aceitou o desafio.

-Mais rapaz ! Um cabra que nem eu que já brigou com onça e  jacaré , foi picado por cobra cinco vezes se não conseguir levar um doido desse para capital, é melhor mudar até de nome-  gabou-se Tião.
O vaqueiro encontrou o delegado falando sozinho a caminho de casa. Aproximou-se sorrateiramente e antes que ele dissesse qualquer coisa foi logo interrompendo:

-Delegado Patrício, pelo amor de Deus, só o senhor pode me ajudar a resolver uma situação complicada na minha vida!  Ninguém é corajoso que nem o senhor pra isso, me ajude! -

Ao ouvir Tião o delegado estufou o peito e todo empoderado   foi pra  mais junto dele.

-Conte logo a história, rapaz, vou lhe ajudar. Desembuche! -
Na hora Tião inventou o caso da mulher que tinha sido internada à força numa clínica na capital e que precisava ser resgatada de lá. Ela era sua esposa.

-Só o senhor é homem suficiente para ir comigo e trazer minha mulher de volta, delegado- reforçou Tião.

-Se é assim vamos lá. Quando e,  que hora é a viagem? 
A história poderia acabar bem ai, mas não acabou.

A viagem foi marcada para a meia noite do dia seguinte. Tempo suficiente para providenciar o encaminhamento clínico do “delegado/paciente, o transporte, enfim,  o necessário para o deslocamento até a capital. Antes, porém mais uma providência:

-Delegado, nossa viagem é longa. Precisamos nos manter acordados até lá. Melhor tomar um injeção  pra gente não dormir.

Tião já havia combinado no Hospital que ele tomaria um medicamento de faz de conta. Já  pro delegado era pra dormir a viagem inteira, e não  ter problemas. E assim aconteceu.

O delegado só acordou na entrada da capital. O desafio agora era formalizar a internação dele sem estresse. Era preciso pensar em algo assim que chegasse na Clínica.

O estabelecimento estava lotado. Umas cinquenta pessoas.

-Delegado, chegamos !  Fique bem aqui de prontidão que posso lhe acionar a qualquer momento. Não podemos sair daqui  sem minha mulher-

-Combinado parceiro- disse Patrício , que naquele momento tinha acrescido mais um item no figurino: um óculos escuro.

Tião se aproximou do  balcão. Mostrou o encaminhamento para a secretária,  fez um breve relato da situação, mas não adiantou muita coisa.

-Desculpe, senhor. Tem muita gente para ser atendida na sua frente. O senhor vai ter que aguardar.

-Minha senhora, estou lhe dizendo que a situação é grave-

- Nada feito, o senhor terá mesmo que esperar a vez! -

Desapontado Tião  fez cara feia, encarou a secretária  mas ela não deu a mínima. Então deu  meia volta. Antes de chegar ao local onde havia deixado  o “ delegado”  o vaqueiro teve uma ideia:

-Doutor, é o seguinte: eles não querem entregar minha mulher. É o jeito a gente tirar ela na marra. Eu não posso, mas o senhor que é delegado pode ir lá e botar moral.

-É pra já, meu parceiro !

O delegado então atravessou todo o saguão da recepção e chegando ao balcão abriu a pochete de onde tirou a pesada pedra que sempre carregava e arremessou  sobre a mesa de vidro, logo despedaçada.

-Aqui é o delegado federal Patrício. Vim aqui buscar a mulher de um amigo que está internada e não vou sair daqui sem ela. Me entregue a mulher agora ou,  tem gente que vai se dar mal-

Foi o maior furdunço com o pessoal que estava esperando na recepção correndo ao mesmo tempo  na direção da porta de saída. 

Imagine a confusão que se formou. O corre-corre foi grande. A secretária que havia dito a Tião que ele teria que esperar estava sem nem um pingo de cor na cara, petrificada que ficou.

Não demorou muito apareceram dois armários em forma de segurança que depois de muito trabalho conseguiram imobilizar  o delegado e ali mesmo sob tensão lhe aplicaram um sossega leão. A valentia dele acabava naquele instante.  Só assim, foi possível internar o delegado e o Tião completar a missão e voltar para casa contando vantagem.

O tempo passou. Meses depois o delegado recebeu alta e voltou para sua cidade. Não estava totalmente curado contudo, controlado, sociável e mais vigiado pela família. De vez em quando ele sumia, mas sempre retornava. Agora tinha se afeiçoado a uma pasta preta tipo 007 que não deixava ninguém chegar perto. Em casa, a pasta era trancada num armário de aço.  A família deixava passar. Acreditava ser mais uma das manias acumuladas pelo Patrício.

Quanto a Tião,  continuou no mesmo lugar correndo vaquejada, brigando com onça e cobras, segurando jacaré pelo rabo e atravessando a nado  rios cheios de piranha, fazendo pequenos favores e contando suas histórias embalado pelas gargalhadas dos amigos.

A figura do delegado ficou para trás. Quase ninguém lembrava mais do tempo em que Patrício andava pela cidade incorporado na figura de um imaginário delegado da Polícia Federal mas, já surgia aqui e acolá a história de um estranho padre fazendo desobriga nas fazendas da região celebrando missas, fazendo batizados e casamentos.


QUANDO DEIXEI DE ACREDITAR EM PAPAI NOEL

    ElsonMAraújo Neste dezembro de 2023, mais precisamente no próximo dia 25, completarão-se 49 anos desde que deixei de acreditar em Papa...