domingo, 26 de setembro de 2021

A ARTE DE SONHAR

O sonhar poético, o sonhar que diz ser premonitório, o sonhar profético, este tão decantado nos textos sagrados; o sonhar que acalma e agita o coração, o sonhar desconexo, o sonhar traduzido como desejo ou meta a alcançar. Enfim, os caminhos para interpretar o sonhar são múltiplos e se intercruzam com a religião, a ciência e a cultura. O sonho é um mecanismo complexo e até hoje objeto de estudos, não conclusivos, mas que se sabe extremamente benéfico para o equilíbrio humano.

A ciência define o sonho como uma experiência de imaginação do inconsciente durante o sono. Sigmund Freud, o fundador da psicanalise e precursor dos estudos sobre o tema, diz que os sonhos noturnos são gerados na busca pela realização dos desejos reprimidos.
Já o psiquiatra e pesquisador americano John Allan Hobson considerou "os sonhos como um mero subproduto da atividade cerebral noturna".

Fora da ciência, em muitas tradições culturais e religiosos, o ato de sonhar ganha ares esotéricos, neste caso revestido de poderes premonitórios.

Em algumas denominações religiosas é comum ouvir a frase “ tive um sonho de revelação contigo”, que grosso modo, seriam mensagens divinas direcionadas aos fiéis, que costumam levá-los muito a sério.

No senso comum, o ato de sonhar tem sempre um significado. Quando não ainda não tem cria-se um. Conheço vários casos.

Esses “significados” mudam de pessoa para a pessoa. É só sonhar, que começam os exercícios de interpretação. Tempos atrás, lá na Vila Lobão, apareceu uma senhora que vendia sonhos para jogadores do jogo do bicho. Teria dado certo uma vez e foi o bastante para casa dela virar um ponto de encontro dos apostadores. Por algum tempo vender sonhos foi seu ganha pão. Cheguei a noticiar “esse comércio exótico” quando trabalhava formalmente na imprensa local.

Já tive sonhos premonitórios. É verdade! Uma vez botei na cabeça que iria sonhar com as seis dezenas da mega-sena. Demorou, mas não é que sonhei! Não com os seis números, mas com cinco. Sabe quanto ganhei? Nada. As cinco dezenas saíram dispersas nos outros volantes, para minha inteira decepção.

Para não haver mais frustração passei a tratar os sonhos, dos quais lembro, com um certo lirismo. Uma vez tive um sonho assim “ meio louco” e traduzi dessa forma:

“No universo dos sonhos rostos perdidos surgem na imensidão do tempo. Alguns, com olhos brilhantes destacados na penumbra, sorriem; outros parecem indiferentes, e num terceiro quadrante alguns simplesmente só observam sem nada esboçar. Esses desapareceram na mesma velocidade que apareceram”

Numa outra vez, dormi lembrando do meu saudoso pai. Quando acordei foi com o texto abaixo reproduzido:

MÚSICOS SÃO ANJOS

Sonhei que anjos desciam à Terra, e que num final de tarde de Céu azul anilado, empunhando liras e harpas, executavam uma canção que nunca ninguém tinha ouvido.

Os filhos da Terra ficaram encantados com todos os sentidos vidrados no infinito azul e conectados àquela ária, ornada pela filarmônica de anjos, naquele instante ouvida em todo o Planeta.
Ao final, vendo que aquilo era bom para os ouvidos e a alma, nem todos os anjos retornaram para o Céu. Alguns permaneceram aqui para continuar a encantar a alma da gente com acordes celestiais.
Músicos são anjos, meu pai era um.

Passei então, desde o sonho frustrante com os números da mega-sena, a agir dessa forma. Quando o sonho é bom, não tem jeito, trato logo dele extrair uma tradução poética. E assim, sigo sonhando, sonhando, sonhando.

domingo, 12 de setembro de 2021


O ENCANTADOR DE SERPENTES

Quando a ciência ainda não se impunha tanto quanto hoje, alguns problemas simples, ou por vezes complexos, eram resolvidos por meio dos conhecimentos tradicionais, transmitidos de pai para filho; principalmente aqueles relacionados a saúde das crianças, e às vezes até dos adultos. Logo, quando apareciam, uma febre, uma diarreia, moleza no corpo, íngua, sol na cabeça e arca caída, a solução vinha das rezadoras (es) ou benzedeiras (os). Esses mestres e mestras tinham o respeito e admiração da comunidade.

Minha saudosa mãe Teresa me levou algumas vezes a rezadores. As lembranças são esparsas, mas recordo fortemente de uma vez em que fui levado para “cortar uma íngua”. Íngua é o aumento dos gânglios linfáticos, ou linfonodos, que, geralmente, acontece por alguma infecção ou inflamação; no meu caso era na região da virilha. Doía muito, e era seguida de febre.
A casa do rezador passava de simples. Era de taipa e coberta de palha de palmeira babaçu. O terreiro era grande, bem varrido e cheio de criações. Tinha muita galinha, e até uns porquinhos fuçando a terra. Do quintal da casa se levantava um cheiro forte de caju. Um frondoso cajueiro estava cheio de frutos maduros e as pipiras se fartavam deles. A lembrança do cheiro de caju maduro e a festa das pipiras não permitiram esquecer aquela tarde dos meus idos sete anos de idade.
Lembro de quando minha mãe chegou comigo, contou o problema e o rezador/benzedor pediu que eu tirasse a alpercata e firmasse o pé, do lado da íngua, no chão. Depois, com uma faca de cabo de chifre de boi riscou ao redor e tirou a medida. No desenho do pé, ao mesmo tempo em que movia os lábios com uma oração ininteligível, fazia pequenas cruzes. Terminado o ritual, minha mãe agradeceu ao mestre e fomos embora. Não demorou muito eu já estava correndo pelos quintais da vizinhança novamente.

Era assim, sem médico ou fármacos o jeito era apelar para fé na forma de rezas, chás, banhos e unguentos.

Tenho uma cunhada que é estudiosa dessas tradições. Tanto que já apresentou, a convite de uma instituição de ensino, um trabalho cientifico sobre o tema, em terras portuguesas. É, há ciência escondida também nesses costumes.

E o encantador de serpentes do título do texto? Não posso esquecer dele! Eles ainda existem. Fragmentos dessa antiga tradição ainda são encontrados em algumas regiões do Maranhão. Conheci um, logo no início da pandemia do coronavirus, em São Raimundo das Mangabeiras, no sul do Estado. Fiquei curioso quando um sobrinho por afinidade disse que iria procurá-lo, depois de perder uma vaca de leite e três cabras, vítimas das picadas das serpentes. Já tinha dado certo uma vez, daria outra, contou ele.

Na casa do encantador de serpentes era um entra sai de pessoas da comunidade. Quando cheguei com o sobrinho ele estava “alinhando a arca de um vizinho”. Todo animado, com uma velha camisa ele tirava as medidas do “paciente”

- Tá vendo aqui, ó. Tem uma diferença grande. Vamos ajeitar isso, agora! -

A arca caída, espinhela caída ou peito aberto, é uma doença (popular) que se caracteriza por forte dor na boca do estômago, nas costas e pernas, seguida de cansaço anormal. Pois o encantador de serpente garantiu, ali na minha frente, que com sua reza deixava qualquer um curado.

E o que ele iria fazer para “expulsar” as cobras da fazenda do meu sobrinho? Cobrou R$ 300,00, mas disse que daquela vez não poderia, como da outra, ir até a terra porque já tinha uma viagem marcada. O encantamento daquela vez seria remoto, como tudo no País no primeiro semestre de 2020.

-Mas, não se preocupe. Vou fazer o serviço daqui mesmo! Garantiu, ao fechar o negócio.
Numa rápida conversa com o mestre das cobras ele me disse que aprendeu o oficio de rezador e encantador de serpentes com o avô, e que já estava preparando o filho para sucedê-lo. Gabou-se também de que ninguém nunca reclamou dos seus serviços.

E qual foi o resultado da empreitada da expulsão das cobras?

Cinco meses depois, já em Imperatriz, ocorreu-me de ligar para meu sobrinho para perguntar. A resposta foi na bucha.

- Sumiram! Nunca mais perdi uma vaca. Agora temos um encantador remoto de serpentes na cidade.

QUANDO DEIXEI DE ACREDITAR EM PAPAI NOEL

    ElsonMAraújo Neste dezembro de 2023, mais precisamente no próximo dia 25, completarão-se 49 anos desde que deixei de acreditar em Papa...