ElsonMAraújo
O corpo é a roupa da Consciência.
A Consciência é a roupa da alma.
(ElsonMAraújo)
Sempre gostei de frases. Chegou um tempo em que até as colecionava.
Anotava tudo. Antes, naqueles cadernos de capa dura e costura de arame. Depois,
no computador. A princípio, frases ou pensamentos bíblicos, fruto da minha
formação cristã. Mais tarde, passei a prestar atenção nas frases soltas dos
filósofos gregos até chegar aos contemporâneos.
As frases, ditados, expressões populares, haicais, aforismos — não
consigo divisar exceções — encerram grandes ensinamentos. São gotas
valiosas de sabedoria expostas, verdadeiros diamantes das almas em momentos de
transbordo. Também, parafraseando o poeta Ribamar Silva, da Academia
Imperatrizense de Letras, numa de suas definições sobre o que é a poesia,
são verdadeiras fraturas expostas da alma. Mesmo fora do contexto, ensinam.
Percebo e ouso dizer que há algo de mágico na forma como um provérbio
africano, um verso de Camões ou um haicai japonês podem resumir séculos de
observação humana. São como mapas antigos, desenhados por navegadores de
diferentes eras, que nos guiam por mares já conhecidos, mas sempre novos.
Lembro-me de uma frase de Heráclito lida num livro didático na minha
adolescência: Ninguém entra duas vezes no mesmo rio”. Naqueles
idos, parecia apenas poesia ou uma simples frase solta. Hoje, entendo que é um tratado sobre o fluxo
da existência, escondido em doze palavras.
Os grandes mestres sabem que a brevidade é irmã da profundidade. Um
aforismo não se explica; instala-se. Certa vez, li em Lao Tsé: Quem sabe
não fala, quem fala não sabe. Fiquei horas ruminando aquilo, como quem
mastiga uma semente desconhecida, até extrair seu sabor amargo e doce. Percebi
que as frases mais luminosas exigem um pacto: só revelam segredos a quem as
contempla em silêncio. Ruminá-las é preciso!
Algumas dessas pérolas verbais tornam-se parte de nós. Lembro-me de meu
avô materno, Mestre Otávio, homem simples do interior do Maranhão,
que repetia: Cão que late não morde, mas assusta o dono. Na
época, ria da rusticidade. Anos depois, ao ver como o medo paralisa mais que a
ação, compreendi que ele resumira, em uma linha, o poder das ilusões. São essas
heranças anônimas, transmitidas de geração em geração, que tecem a trama
invisível da sabedoria coletiva.
Minha coleção migrou dos cadernos rabiscados para arquivos na nuvem.
Algumas se perderam no tempo, mas a essência permanece. Curioso notar como, na
era dos algoritmos, ainda buscamos refúgio em fragmentos de eternidade. Um
tweet, um verso de música, um Post filosófico — tudo pode carregar a
centelha de um diamante. Recentemente, encontrei numa rede social: Viver
é ajustar a alma à tempestade sem perder o brilho. Não sei o autor, mas
reconheço ali o mesmo fôlego dos antigos. Dizer o muito no pouco.
Por aqui tempos grandes especialistas nessa matéria. Alguns, como o já citado
Ribamar Silva, Zeca Tocantins e o professor José Geraldo, são membros da
gloriosa Academia Imperatrizense de Letras.
Há uma alquimia peculiar em condensar verdades complexas em poucas
sílabas. Nietzsch ,( olha o poeta aqui de novo) que me foi apresentado pelo confrade Ribamar
Silva, brincava com isso: Deus
está morto ecoou como um trovão, mas quantos perceberam que era um
lamento, não um triunfo? Já os haicais, o professor José Geraldo é um
craque neles, com sua estrutura de 5-7-5 sílabas, ensinam que a limitação é o
berço da criação. Talvez por isso, em um mundo saturado de discursos, as frases
curtas sejam faróis — não iluminam tudo, mas mostram a direção.
No fim, percebo que uma frase, compreenda, aquelas bem nascidas, não são
meras palavras, mas sementes de almas. Cada autor, conhecido ou anônimo, deixou
um fragmento de seu fogo interno. Como dizia Guimarães Rosa, olha seu autor preferido aqui, confreira Adriana
Moulin- o real não está na
saída nem na chegada: ele se dispõe para a gente é no meio da travessia.
Essas frases são justamente isso: clarões no meio da travessia, pequenos
diamantes que, mesmo nas noites mais densas, lembram-nos que a alma humana é
uma mina inesgotável de luz.
E assim sigo, caderno aberto, olhos atentos, catando no chão da
existência as pedras preciosas que outros, em seus transbordos, deixaram cair.
Vivos, sejam eles, para todo sempre!