domingo, 8 de maio de 2011

ZÉ DA MORTE




Leu  num  livro de  um historiador francês,  logo  no  começo da adolescência,  que entre os povos antigos a preocupação do homem era mais de ser  sepultado, ter um enterro decente, do que  propriamente com a  morte. Ficou com aquilo na cabeça e a partir de então estabeleceu uma relação de afinidade com o  fenômeno morte. Só pensava em como seria seu enterro  e  com isso, começou a preparar o que seria seu funeral.

No povoado não perdia um velório. Era morrer alguém e  lá estava  o Zé da Morte, como ficou conhecido o homem, rente nas rezas de despedida do morto. 

Rezava, cantava, chorava,  e ainda dava opiniões sobre o velório.  Ajudava  em praticamente tudo. Fazia aquilo porque queria que fizessem o mesmo com ele quando partisse dessa vida. Acreditava, como os antigos, que se não fosse decentemente sepultado viraria alma penada e passaria a vagar sem rumo. Não queria aquilo de jeito nenhum.

Virou rapaz velho. Não namorava, não ia a festas. Só  imaginava como seria  quando morresse.  Sonhava com a morte dia e noite.

Todo mundo gostava de Zé da Morte, mesmo com o jeito esquisito dele viver. Só andava de preto, dos pés à cabeça.


Chamava atenção um largo chapéu, também preto, usado dia e noite que cobria a face quase por completo.

Por não pegar sol, sua pele branca  ganhou uma coloração amarelada deixando-o mais assustador ainda.

A figura  de Zé da Morte, principalmente à noite quando vinha de alguma novena ou velório, era assustadora. O cara era mesmo esquisito.  Já tinha comprado até  o caixão e a mortalha. Dizia que não queria dá trabalho a ninguém  quando seu dia chegasse.  Quem  ia à  sua casa desavisado  saía  encabulado quando levantava a vista e via   um caixão enrolado num saco Plástico  em cima do guarda roupas.

Zé da Morte   não falava em outro assunto a não ser sobre morte. Os amigos até que tentavam entabular algumas conversa com ele sobre  futebol, roça e  mulher;  esse último assunto  era o  que mais evitava. Tinha medo da  “carne reinar” e queria, dizia ele,  morrer puro.  

- Quando eu me for   quero todo mundo bem vestido, de preferência de preto; muitas flores,  café com bolo pra todo mundo e  a banda da Igreja   tocando meus hinos preferidos. Quero ainda  todo mundo chorando. Se alguém achar que não  vai chorar  no meu velório  é melhor nem aparecer-  dizia ele sempre que se encontrava com os amigos.

O Zé  era tão preocupado com o funeral que abriu até uma poupança  para custear as despesas. O que ganhava  ajudando a organizar  velórios, depositava  na conta aberta na sede do povado que só ele e   a madrinha de batismo sabiam da senha.

Alguns moradores do povoado  viam no  Zé da Morte uma grande piada.  Essa impressão só acabava quando alguém ia a casa dele e este  lhes  mostrava a mortalha e  o caixão.

Uma simples gripe e lá estava o Zé mobilizando a madrinha,  o padre para  lhe fazer  o que seria a extrema unção. Também mandava avisar na voz que sua hora tinha chegado.   Sonhava com muita gente no velório. 

Tornou-se habitual essa folia no povoado sempre que Zé da Morte ficava doente , tanto que já duvidando da sua sanidade,  poucos ainda eram os que  naqueles momentos atendiam ao chamado dele ou acreditava que ele estava mesmo morrendo. 

Muitas gripes, dores de cabeça, topadas, quedas e nada da morte vir ao encontro do Zé

No povoado havia um riacho onde final da tarde a meninada e também os adultos  iam tomar banho. Os moradores evitavam ficar até o começo da noite porque havia a história do aparecimento de uma  sucuri sempre naquele horário. A serpente já tinha arrastado com ela cachoro, bode e até um bezerro. A cobra era tão grande que acabou virando lenda.

 Zé   era o  único  que não tinha medo. Esperava todo mundo ir embora para tomar  seu banho no riacho.  Era um habito que trazia consigo há muitos anos.  Logo estava de volta a sua casa;  vestia o traje habitual e ia para as  novenas.  Todo dia tinha uma.

Numa quinta-feira  de  noite clara  Zé tinha  sido convidado para rezar num velório no final do povoado, mas,  naquele dia ele não apareceu. 

O sol nasceu,  e nada do Zé.  Logo a noticia do desaparecimento dele  se espalhou  causando o maior rebuliço. Tinha sido visto a última vez indo  para a Beira do Riacho, mas no local nenhum vestígio dele foi encontrado. O homem havia sumido de verdade.

- Morreu afogado-  dizia um

-A Sucuri engoliu ele, teorizava outro.

-A morte  veio  pessoalmente buscá-lo, tacou um gaiato.

Dez  anos se passaram e até hoje ninguém sabe o que realmente aconteceu com o Zé da Morte, que  acabou  não tendo o tão planejado enterro. Nada de  flores,   banda de música  ou gente chorando.

De vez em quando no principal  boteco do lugar alguém esbaforido  chega jurando ter visto o Zé subindo vagarosamente,  todo de preto,  a ladeira do cemitério.















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