terça-feira, 31 de janeiro de 2012

Conto: Um amor nordestino perdido nos seringais da Amazônia.



-Volta mais não! Tua mulher se casou com outro- Aquela maldita frase derretia seu cérebro, queimava-lhe o peito, lhe corroia por inteiro.  Já não dormia havia pelo menos uma semana. Não era de chorar e a ausência desse mecanismo de alivio da alma naquelas circunstancias, piorava ainda mais a situação.

O jeito mesmo seria deixar o tempo sarar aquela imensa ferida aberta com a noticia trazida de sua terra por um antigo vizinho  garimpeiro que encontrara rapidamente; e por acaso,   justamente no dia e na hora  que se preparava para embarcar de volta para casa  depois de dez anos trabalhando nos seringais amazônicos. Melhor seria não ter encontrado o dito vizinho. Era muita dor.

Zé Penha não  tinha conseguido enricar,  como prometera á mulher  Ricardina e aos
sete  filhos;  o mais velho com 15 anos, mas, mas pelo menos, mesmo com duas malárias e dois sangrentos conflitos com os índios Munduruk, estaria de volta vivo, com um pouco de dinheiro, muita saudade da família, de quem raramente sabia alguma notícia, e um punhado de historias para contar.  Uma vez ele e seus colegas foram surpreendidos por um ataque de índios  e só conseguiu escapar por puro milagre. Fingiu-se de morto.

Agradecia a Deus todos os dias por ter saído do chafurdo apenas com um pequeno corte na cabeça resultado da feliz queda que o fez pensar rápido e a fingir-se de morto.

-O Riba do Sousa, que tinha chegado junto com ele na Amazônia não teve a mesma sorte: uma flecha varou-lhe o peito. O seringueiro  morreu ali mesmo no meio da mata fechada,  recordava Zé Penha.

-Tanto esforço, tantas lutas, para nada. A Ricardina não poderia ter feito aquilo. Devia ter me esperado- pensou um revoltado Zé Penha, naquele tempo com 37 anos de idade. Ele era um dos 300 mil nordestinos, que fugindo da grande seca (1877-1880)  atraídos pela  " febre da borracha"  e por uma ofensiva propaganda do Governo  Federal que queria ocupar aquele lado do Brasil,  foram parar no interior da selva amazônica.

Zé Penha, de fato era um "herói sobrevivente da Amazônia. Nos seringais as condições eram subumanas. Na extrema penúria muitos seringueiros eram dizimados por doenças,  como varíola, beribéri, malária e muitas vezes morriam até  vitimados por  uma alimentação precária.

Em alguns seringais os trabalhadores eram o tempo todo vigiados por homens armados num regime de quase escravidão. Zé Penha teve um pouco  mais de sorte do que muitos seus colegas porque os jagunços do seringal para quem trabalhava foram com a cara dele e por isso tinha um pouco de regalia.  Equivocadamente diziam que era um afamado pistoleiro do interior do Maranhão e que de uma só  vez tinha matado cinco pessoas.

Zé Penha não sabia o porquê daquela confusão, mas soube aproveitar da situação. Deixou a barba crescer, para ficar bem mais mal encarado e deixou o resto com a imaginação daquela gente da inóspita região amazônica. Com ascendência européia ,era alto, branco, um pouco cambota e muito caladão.  Tudo isso ajudou a forjar a imagem do “pistoleiro do Maranhão”.

Todo aquele estereótipo encerrava, na verdade, um homem pacato, temente a Deus que fugindo da seca resolveu sair de sua terra pra ganha dinheiro e tirar a mulher e os filhos daquele “torrão escaldante”. Não era maranhense como dizia, era do interior do Ceará.

Sabia que a mulher era valente, boa de serviço e ia cuidar bem dos sete filhos até sua volta. Confiava no apoio dos seus e,  dos parentes dela. Agora, estava ali pensando  na triste noticia dada pelo vizinho garimpeiro.


Não conseguia esquecer a maldita frase. - Volta mais não, moço!  Ela casou com outro.

Opinioso, Zé Penha estava mesmo decidido: não  voltaria mais para casa de jeito nenhum. Não conseguiria encarar os parentes e os amigos, diante daquela traição. Além do mais, tinha medo de  " fazer uma besteira". Ia continua na Amazônia e esquecer que um dia foi casado com uma bonita e forte mulher chamada Ricardina e que com ela tivera sete filhos.

Longe dali, um mês depois do rápido encontro com Zé Penha,  um gaiato Pedro Garimpeiro, cheio de gabolice, numa rodada de cachaça com uns colegas de garimpo, dava gargalhadas e se lembrava da maneira teatral como mentiu para o antigo vizinho ao dizer-lhe que a mulher tinha cansado de esperá-lo  e havia se casado com outro.

Vinte anos depois, num início de uma manhã nublada, dona Ricardina  que já havia feito promessa para tudo quanto é santo pela volta do marido, jogava milho para as galinhas no quintal  da casa quando ouviu alguém chamar-lhe à porta. Era Pedro Garimpeiro  que voltava da Amazônia com a noticia da morte de Zé Penha, picado por uma  cobra cascavel.









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