Neste dezembro de 2023, mais precisamente no próximo dia 25,
completarão-se 49 anos desde que deixei de acreditar em Papai Noel. A ruptura
com essa lúdica crença num personagem lendário da cultura cristã ocidental foi
traumática. Numa só noite/madrugada fui acometido de sentimentos
incompreensíveis para um menino, ainda na primeira infância. Devo ter chorado
por pelo menos um dia. Tinha seis anos de idade, vivi um verdadeiro luto.
Hoje identifico que até a ficha cair e descobrir que Papai Noel
era uma ficção, sofri com o sentimento de culpa. Afinal, o que teria eu feito
de ruim para que naquele Natal, o “bom velhinho” não deixasse meu presente no
“pé da minha rede”?
Justo naquela noite tinha armado um plano para flagrar a chegada
do Papai Noel. No ano anterior, me esforcei, mas não o vi chegando com um
carrinho de plástico vermelho, que durou até o meio do ano. Gostava de
carrinhos e naquele Natal, de 49 anos atrás, torcia para ganhar uma C 10. Uma C
10 verde, igual à que um primo tinha sido contemplado, dois anos antes.
O plano para flagrar o Papai Noel era fingir que estava
dormindo. Uma luta inglória, pois o sono era grande demais. Mesmo assim, com
aquele plano na cabeça, no menor dos barulhos eu acordava e dizia para mim
mesmo: “É ele!” O barulho sumia. Olhava para debaixo da rede, não via o
carrinho que pedi e voltava a dormir. E assim, foi até amanhecer o dia. Não
teve presente nenhum.
Para garantir o presente do Papai Noel, a orientação dos irmãos
mais velhos, pais e professores, era pra gente ser sempre obediente, estudioso,
respeitar os mais velhos, e ir à missa das crianças todos os domingos. Havia
feito tudo isso, o ano inteiro, mas, mesmo assim, não ganhei meu carrinho.
Por mais que vasculhasse a memória não encontrava nenhum delito
que motivasse aquele castigo. Teria sido porque tentei vê-lo? Nada justificava.
Tinha certeza que tinha sido um bom garoto.
Do sentimento de culpa nasceram a frustração e o ódio. Nunca
perdoaria o Papai Noel por aquela covardia. Prometi que iria odiá-lo para
sempre.
Como não parava de chorar, minha família preocupada, designou
minha irmã normalista Margarete para a
missão de me explicar o que ocorrera de verdade. Já era grandinho e estava na
hora de saber que Papai Noel não existe.
Sempre muito habilidosa, minha irmã foi por longe. Me pôs nas
pernas, enxugou minhas lágrimas, disse que eu era bom menino e que Papai Noel
não viera naquela Natal não por alguma peraltice que eu tivesse feito, e sim
porque, simplesmente, não existia.
-Mas ano passado ele veio, deixou até meu carrinho vermelho. É
mentira, ele existe sim.
-Não, meu querido irmão. Não existe! Quem sempre deixou o
presente de Natal debaixo da tua rede foi o papai. Este ano ele não teve
dinheiro para comprar presente para todo mundo e para beneficiar um e outro
não, preferiu não presentear nenhum dos filhos.
A notícia foi devastadora. Eu não conseguia acreditar que aquele
mundo mágico que eu havia construído na minha cabeça não passava de uma
fantasia. O Papai Noel não existia? Como isso era possível?
Senti-me traído, enganado.
O choro foi embora, mas durante dias, fiquei pensativo, tentando
entender aquela nova verdade. Não queria conversa com mais ninguém. Aos poucos,
fui me acostumando com a ideia de que o Papai Noel não existia
O lado positivo da experiência do Natal dos meus seis anos de
idade, foi
um importante passo no meu processo de amadurecimento. Foi a primeira vez que
fui confrontado com a realidade, com o mundo como ele realmente é. Para
completar, naquele ano me deparei com a primeira noticia do assassinato de uma
pessoa, o prefeito da cidade, Joaquim Baltazar tinha sido morto por
pistoleiros. A cidade era Axixá (GO) , hoje pertencente ao Estado do Tocantins.
Aprendi que nem tudo é o que parece, que existem mentiras e
decepções. Mas também aprendi que é importante manter a fé, mesmo quando tudo
parece perdido. Afinal, mesmo que o Papai Noel não exista, ainda existia
pessoas boas no mundo, como meu saudoso pai, dispostas a fazer o bem.
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