ElsonMAraujo
Alguns temas são recorrentes aqui neste espaço. Não tenho nenhum constrangimento com isso, porque alguns desses assuntos já alcançaram as bênçãos da atemporalidade e, pelo menos para mim, são sempre bem-vindos. É o caso da faculdade inerente ao ser humano de o tempo todo julgar tudo e todos, já explorado numa crônica que publiquei em março de 2016.
Todos nós somos julgadores, o
problema é que os julgamentos estão cada vez mais superficiais e quase sem
fundamento. Daí, por conta disso, o risco de a sociedade planetária entrar, num
sentido amplo, num período de trevas. A tão combatida intolerância e seus
desdobramentos, ao meu sentir, são as filhas malditas dessa superficialidade
que tem custado caro aos povos da Terra.
Não é difícil perceber que a
sociedade moderna hoje se reveste em milhares de impenetráveis microcosmos que
não se comunicam, não interagem, e estão ficando, num processo contínuo, a cada
dia mais distantes de qualquer contraditório, com cada um cimentando e
defendendo suas verdades. O escritor e colunista Moisés Naím, especialista
em economia e política internacionais, a grosso modo, denomina esses
microcosmos e micropoderes. Já abordei esse tema também por duas vezes neste
espaço. É a partir dessas bases que são feitas as escolhas, não só das
coisas, mas também dos governos.
Escolher ou julgar um fato,
uma coisa, um destino tendo por base um “único lado da moeda” é perigoso em
todos os sentidos, até porque nada é absoluto. Defendo que é preciso olhar o
todo, analisar todas as variáveis possíveis para um aprimoramento dos nossos
julgamentos, ou para um melhor fechamento das nossas escolhas, seja a compra de
um carro ou do próximo dirigente do município, do Estado ou do País. Como diria
o Prêmio Nobel de Literatura de 1998, o português José Saramago: “É preciso
sair da ilha para ver a ilha. Não nos vemos se não saímos de nós.” E aí eu
completo: é preciso visitar outros “cosmos” para conhecer o universo por
inteiro.
Julgar não deixa de ser uma
escolha, já que você opta por essa ou aquela tese. O homem é assim, um
animal julgador por essência. Julga não só pessoas, mas também fatos e
coisas. “Nem a mãe natureza escapa”. São julgamentos, na maioria das vezes, sem
direito ao contraditório e à ampla defesa, onde o indubio pro reo, máxima do
direito que diz que na dúvida deve-se beneficiar o réu, anda a léguas de
distância. As sentenças são sumárias, e quase todas condenatórias. Coitados de
nós.
Vivemos tempos em que as
opiniões voam como penas ao vento, espalhando julgamentos levianos. E o
problema não é apenas julgar, mas a rapidez com que se forma um veredicto. Um
deslize capturado por uma câmera de celular vira motivo de execração pública em
minutos. Em questão de horas, uma vida pode ser arruinada sem que haja espaço
para o outro lado da história. A superficialidade, alimentada pela necessidade
urgente de opinar, não nos permite ver a profundidade de cada ser humano, de
cada situação.
Ainda há tempo de refinar
nossa arte de julgar. Talvez o grande segredo seja deixar de lado a ansiedade
de emitir um parecer imediato e, antes de mais nada, escutar. Escutar o outro,
o silêncio, as entrelinhas. Porque, afinal, antes de julgar o mundo, é preciso
primeiro entender o que se passa dentro de nós mesmos.