sábado, 7 de abril de 2012

As armadilhas do amor. Não adiantou nada ela fugir.

Início da tarde de uma segunda-feira de chuva naquele Estado Amazônico. Grávida, de sete meses,  Fatinha  perambulava pelas ruas do centro da cidade.

Dizia frases desconexas. Tremia de frio e sentia muita fome.  Até aquele horário não tinha comido nada. O estômago ruía , a cabeça estava  para explodir de dor.

Sabia que se um milagre não acontece corriam risco de morte ela, e o bebê que estava para nascer.

Os pingos de chuva se confundiam com as lágrimas que desciam copiosamente do seu rosto. Estava toda molhada ali debaixo daquela marquise. A chuva era de vento e aquele espaço não conseguia protegê-la.

Chegara ali naquela  cidade fugida do marido, preso por tê-la espancado e que  ameaçou matá-la quando saísse da cadeia porque esta o denunciara.  

Não quis esperar. Pegou uns poucos pertences e saiu da cidade tendo em mente encontrar uma prima numa cidade de um dos  Estados amazônico, bem distante de sua casa, do seu lugar.  A ela ia pedir abrigo.

O pior não poderia acontecer: a prima não morava mais naquela cidade. Foi embora sem deixar endereço.

Estava ali agora grávida, sem dinheiro,  com fome, sem nada;  sem ter para aonde ir. Ligar para  os parentes ?  Nem pensar!  Não queria que ninguém da sua cidade, mesmo os parentes,  soubessem  pelo menos um indício do seu paradeiro. Estava disposta a deixar para trás a vida de sofrimento desde que deixara a boa vida da casa dos pais para se casar  com aquele  que se revelaria, pouco tempo depois, um cafajeste de primeira grandeza.

O marido bebia muito, saia com outras mulheres na frente dela e , um dia ousou levar uma amante para dentro de casa e convidar a esposa para uma “festinha a três”. 

Por não aceitar aquela proposta foi que Fatinha  passou a ser vitima do marido que por qualquer motivo lhe ameaçava. Não demorou para a coisa sair do campo das ameaças. Uma, duas, três. Na quarta vez, já grávida de sete meses, Fatinha denunciou o marido que acabou preso.  Saiu de casa gritando que a mataria quando saísse da prisão. Ela não quis esperar,  fugiu.

Os últimos acontecimentos passavam como um filme na mente de Fatinha. Naquele momento, ali naquela marquise  lembrou das rezas da infância e começou  recita-las, às vezes, trocando as palavras, mas precisava se apegar aos céus.  Alguém precisava ouvi-la. Rezou até perder os sentidos. Desmaiou.

Horas depois acordou  assustada na enfermaria de um hospital. Pensou naquele momento que tinha acordado num outro mundo.

-Calma, você está bem, agora-  disse uma voz grossa e terna, ali do seu lado.

Era o tão “esperado anjo da guarda” que tanto clamara, até desmaiar.

Euclides tinha saído para comprar remédio quando vira uma pessoa caída. Aproximou-se  e viu que era uma mulher grávida. Deixou  a dor de cabeça de lado e tratou de socorrê-la levando-a ao  hospital mais próximo.

Aos 60 anos o empresário morava sozinho com o filho único, Pedro Augusto, rapaz velho de 35 anos que naquele dia estava viajando a trabalho  e por isso,  ele mesmo teve de ir comprar o remédio para dor de cabeça e quis o destino que no trajeto encontrasse aquela  estranha mulher caída debaixo da marquise de uma loja no centro da cidade.

- Onde estou?  Perguntou Fatinha.

-No hospital. Respondeu Euclides.

-Fique tranquila, você vai ficar bem, completou o velho empresário.

Depois de ouvir a história de Fatinha  Euclides, enternecido, já sabia o que faria quando ela tivesse alta. O bebê ainda demoraria mais um tempo para nascer e decidira levar a mulher para sua casa e cuidar dela até o parto.

Euclides morava numa bela e confortável casa no melhor bairro da cidade. Era viúvo. A mulher com  quem casou, ainda recém saída da adolescência,  morreu de câncer  anos depois;  e ,  ele prometeu para si mesmo que nunca mais se casaria. Seria dali por diante só ele  e o filho, na época com cinco anos de idade.

Era naquela casa que Fatinha ficaria abrigada até, na intenção do empresário, esta ganhar o bebê. Não se preocuparia com nada  ele bancaria tudo, garantiu ele àquela , até então estranha, mulher.

O filho, a princípio,  não gostou da presença da moça  na sua casa, mas depois se acostumou com a  ideia;  principalmente depois que ela deu a luz a um belo e forte menino.  O pai pediu que ela passasse mais  algum tempo ali até sentir segurança para  encontrar um rumo na vida.

O tempo passou. Fatinha, e o filho, que ganhou o nome de Euclides  em homenagem ao  seu benfeitor, se incorporaram à rotina da casa.

 O empresário adorava chegar em casa e encontrar Euclidinho, já com dois anos, brincando cheio de  saúde, no berço e a comida pronta e  quentinha;  diferente da que ele, antes de Fatinha,  tinha o custume de pedir no restaurante do bairro.

Pedro Augusto, o filho do empresário também gostava de chegar das viagens e encontrar, não Euclidinho, mas aquela  magnífica mulher chamada Maria de Fátima, Fatinha como gostava se ser chamada.  Nem parecia que   já era mãe. 

Sem perceber pai e filho desenvolveram um carinho mais do que especial por aquela mulher que a qualquer momento poderia   ir embora e deixar um vazio na casa e na vida deles.  Na verdade, pai e filho, já estavam apaixonados por Fatinha e ela já havia  percebido e,  se incomodava com a situação.

Gostava dos dois,  gostava da forma terna e carinhosa como estava sendo tratada desde sua entrada naquele  casa onde não faltava nada nem pra ela nem para o filho.

Por Euclides, desenvolveu o carinho de pai;  com relação a Pedro Augusto já havia se flagrado pelos menos umas cinco vezes pensando nele.  Uma vez sonhou fazendo amor com ele. Acordou com suas partes íntimas irrigadas  e aquilo lhe incomodou bastante.  Ficou com vergonha e sentimento de culpa.  Achava que não tinha aquele direito.

- Era hora de ir embora- pensou ela já  triste com a situação que começava a se desenhar.

Nos dias  em que pai e filho estavam de folga se tornaram comuns saírem todos juntos. O pequeno Euclides se tornou o xodó da casa e do grupo.

Os olhares de Pedro Augusto e do Pai  para Fatinha começaram a falar mais alto e ela ali percebendo tudo. O coração disparava sempre que analisava a situação.

Num desses passeios Fatinha tomou uma decisão: ia fugir. Deixaria uma carta agradecendo o apoio, o carinho deles e sumiria dali.

Tinha feito uma pequena economia com a mesada que passou a receber do empresário  em retribuição aos cuidados que tinha com a casa e com ele. Daria para recomeçar a vida numa outra cidade. Para casa não voltaria jamais. O medo do marido deixado para trás permanecia muito forte.

De triste, Fatinha passou a chorar toda a noite desde o dia que tomara a decisão de abandonar Euclides e Pedro Augusto. Estava completamente apaixonada pelo filho do empresário  e sentia que ele também nutria o mesmo sentimento por ela. No  meio dessa história estava Euclides  que a tratara tão bem e,  que também  sabia, era  apaixonado por ela.

A mulher  tinha planejado ir embora quando coincidisse pai e filho viajarem. Era comum as viagens a negócio  dos dois.

Viajaram, e mãe filho precisavam  se apressar.  Eles poderiam chegar a qualquer momento e aquela situação  não poderia mais perdurar. Mais uma vez  tinha de fugir, mas  ao contrário da primeira vez fugia por amor, fugia para não sofrer e não provocar sofrimento.

Como planejara Fatinha foi recomeçar a vida numa outra cidade distante da Amazônia,  distante  do seu amor.  Alugou um quarto e sala, deixava o filho numa creche e passava o dia inteiro no centro da cidade. Trabalhava como garçonete  numa pizzaria. Bonita, cantada não lhe faltava,  mas não queria saber de ninguém.  A cabeça só tinha espaço para Pedro Augusto.

Cinco anos  depois da fuga  da casa de Euclides e Pedro Augusto,  no final de  mais um  dia estafante de trabalho o imponderável aconteceu. Fatinha  se deparou , na saída da pizzaria,  com o único e verdadeiro amor de sua vida. Era muita coincidência.

Fatinha ficou ofegante. Perdeu as pernas, começou a tremer por inteira. Ficaram ali, por alguns instantes, olhando um para o outro como quem  hipnotizados. Sem uma única palavra os dois deixaram aquele ambiente. Os corpos diziam um ao outro que queriam dizer há anos. Foram a um motel.

Naquele dia, Fatinha  se entregou por inteira  a Pedro Augusto.  Soube o que era amar  e sentir prazer de verdade. Amaram-se até o dia seguinte, sem medo, sem traumas, sem culpa.

Depois, Fatinha soube que Euclides , o anjo que o salvara naquela noite chuvosa havia infartado há  pelo menos dois anos. 

Nenhum comentário:

QUANDO DEIXEI DE ACREDITAR EM PAPAI NOEL

    ElsonMAraújo Neste dezembro de 2023, mais precisamente no próximo dia 25, completarão-se 49 anos desde que deixei de acreditar em Papa...