quarta-feira, 6 de abril de 2011

A Virgem e o coronel


Todos  tinham  medo do coronel  Francisco Libório da Fonseca  naquele distante povoado nordestino. Também não era pra menos. Era dono de quase todas as terras do lugar. Casava, batizava, matava e mandava capar, como fizera  com um sujeito que olhou enviesada para sua filha única,  que depois mandou estudar na capital.  O coitado depois de capado, envergonhado, foi embora do lugar com medo de ser morto. O homem era, de fato, muito cruel.

A própria figura do coronel  impunha medo. O homem era  grande e todo peludo.  O rosto quadrado;  uma barba que chegava ao peito  e um bigode que fazia voltas. Gostava de botas, sempre ornamentadas com um belo par esporas.  Também não dispensava um 38 cano longo na cintura. Naquele tempo de um ano qualquer de nosso senhor Jesus Cristo um homem como Libório, podia quase tudo.

O coronel  detestava ser enganado. Quem pelo menos tentasse passar a perna nele  acabava pagando um preço muito alto, às vezes até com a vida.

Pois bem, o coronel  Libório já tinha enviuvado três vezes. A primeira morreu de parto,  a segunda morreu afogada numa pescaria num dos açudes da fazenda,  e a terceira morreu de taca. Um dia deixou a comida do  homem queimar e se deparou  com  a ira dele.  A pisa foi tão grande que a frágil Maria morreu depois de uma semana.  Nem as canecas  de mastruço com leite lhe ajudaram  a sarar,  morreu toda inchada e vomitando sangue.

“Tá  na hora  de procurar uma nova companheira!”  Disse o  coronel ao capataz da fazenda-

“ Isso aqui tá sem graça demais sem mulher”  completou  Libório.

“Agora, tem de ser  selada. Se for mulher  mexida,  não quero!  E se me enganarem  mato ela e a família toda”  gritou o  coronel.

A notícia logo se espalhou. O Libório ia casar novamente e procurava uma noiva.

Mesmo com a má fama do coronel era mais quem quisesse empurrar uma filha pra casar com o dono de quase tudo ali. Era uma oportunidade para se ajeitar na vida.

A notícia chegou aos ouvidos de Flavinha, a filha do quitandeiro Raimundo Feijão.  Tinha 20 anos,   morara dois anos na capital,  já conhecia o calor de um  homem e acumulava umas boas horas de sexo, mas aos  pais  ela vendia a idéia de quem  ainda era moça.  

Os pais nem  de longe desconfiava dos encontros dela com  Antônio, o ajudante de balcão da quitanda , quase falida.

Flavinha planejou tudo. O  casamento com o coronel poderia salvar o comércio do pai e ela ainda poderia ter uma boa vida.

A danada pensou em tudo. Sabia que o coronel, dia de Domingo, ia sempre à feira; não para  fazer compras, mas para se exibir e contar lorotas nos botecos.

Flávinha  tinha sangue de índio com  Europeu. A mistura  de raça fez vir ao mundo uma mulher de fazer qualquer um perder a cabeça, inclusive o coronel.  Os olhos se perdiam num verde esmeralda de encantar até  a serpente mais peçonhenta.

Dissimulada,  pôs seu  vestido mais bonito , se enfeitou toda e inventou de  visitar a  colega Joana  que morava justamente vizinha  ao  boteco onde o coronel contava suas vantagens.

Não deu outra. Foi o Libório por os olhos  na menina  pra “carne dele reinar”. Todo aceso, foi logo perguntando para quem se quisesse responder.

“De quem é aquela menina ?”

“É  a filha do vendeiro” respondeu um  

“Ela  é moça? Se For,  vai virar minha mulher”
Os homens do boteco indicaram a casa do vendeiro  pai da menina  e, lá se foi o coronel.

“Boa tarde” disse Libório

“Boa”, respondeu o dono da venda.

“Aquela menina é sua?

É, sim senhor!

E  ela é mexida?

“Não coronel, de jeito nenhum”

“Então quero casar com ela! Agora você já conhece minha história. Se vocês tiverem mentindo mato e mando matar todo mundo”

O casamento foi acertado para dali a um mês.

Flavinha vibrou, intimamente,  quando o pai disse que ela iria se casar com o Libório,  o homem mais rico,  e mau do lugar. Só tinha um problema:  não era mais virgem e,   por isso  precisaria arrumar  uma maneira  de  enganar o maldito, mas  rico  coronel.

Bastou dois dedos de prosa com a experiente amiga Joana para a espevitada Flavinha bolar um plano. Se desse errado, ela sabia que ela e a família estariam perdidas. Todo mundo ia morrer.

O casamento foi o acontecimento do ano,  no povoado.  Casaram no padre e no civil.

Flavinha suspendeu  o remédio que tomava  às escondidas  dos pais para não engravidar do ajudante de balcão com quem se divertia quase todos os dias, depois da meia noite,  numa moita,  detrás da Igreja.

Calculou tudo. A menstruação veio  no dia do casamento. Parte do plano já tinha dado certo. Faltava ainda a outra parte. Estava com muito medo.

Bruto feito um animal,  o coronel Libório nem esperou a festa do casamento acabar e arrastou Flavinha pra sede da fazenda.  Tava ansioso para tirar mais um “cabaço”. 

 Fora  as mulheres com que tinha casado, Já havia  feito aquilo umas 50 vezes com as filhas dos peões de sua fazenda e,  se orgulhava do feito.

Esperta, Flavinha  olhou toda lânguida para o coronel e  pediu para juntos tomarem uma dose bem aprumada  de cachaça;  disse que daquela forma  se sentiria melhor para recebê-lo, afinal, era sua primeira vez.
O coronel bebia, Flavinha fingia que bebia.

No dia seguinte, ao acordar com uma puta dor de cabeça e lembrança zero,  Libório tomou um  susto:  “ai, Jesus,  matei a menina! ”

Na cama era sangue pra todo lado. Na calcinha , jogada ao lado do travesseiro, na colcha, na ceroula... Era muito sangue.

Flavinha,  fingia um sono profundo.  O coronel por alguns instantes pensou o pior, daí, mais atento viu a mulher esboçar um pequeno movimento  e , só assim se tranqüilizou.

Em silêncio, vestiu a roupa, pôs as botas, o revolver na cintura, o indispensável chapéu, postou-se na frente do espelho, se ajeitou todo,  sorriu com o canto da boca,  torceu para cima o gigante e esbranquiçado  bigode e pensou cheio de gabolice:

“Sou o coronel Libório da Fonseca, comigo ninguém pode, sou eu e o boi não lambe. Boto mesmo  é pra quebrar.  Com esse, fechei  o meu qüinquagésimo  primeiro cabaço.












Um comentário:

Jana Flor disse...

Elson amei esse conto, eu tinha que pegar umas aulas com essa Flavinha rsrsr, Parabéns ta bem bolado.Menino tu ta cruel hem.

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